Eu me lembrei quando vi pela internet manifestantes em Copacabana, no dia do jogo do Brasil mais recente, na segunda-feira, contra Camarões, fazendo um protesto com uma faixa que dizia A festança nos estádios não vale as lágrimas nas favelas. E de vez em quando eles gritavam Amarildo e respondiam Presente. Pois é, daqui a pouco, no dia 14 de julho já faz um ano que o pedreiro Amarildo despareceu. Todo mundo lembra, foi um caso noticiado no mundo inteiro. Mais um caso em que a Polícia Militar é acusada de dar sumiço em uma pessoa, como no caso da Patrícia Amieiro, a engenheira que sumiu na estrada Lagoa Barra e que também foi tema aqui do Que fim levou.
Amarildo tinha seis filhos, morava na Rocinha e era analfabeto. Tinha o apelido de Boi, por carregar pessoas nas costas até o asfalto, quando era necessário, uma pessoa doente, por exemplo. Era forte, apesar de magrinho. E gostava de pescar. O que a Beth, viúva do Amarildo me contou , na longa conversa que nós tivemos essa semana, é que o Amarildo tinha chegado em casa com alguns peixes, tinha acabado de limpar os peixes e ia saindo para comprar alho e limão para fazer um tempero quando foi parado pela PM. Ainda chegou a dizer para ela quando ia sendo preso: Beth o meu documento está na mão desse pessoal aí, apontando para os policiais. E nunca mais apareceu.
Os Policias Militares que ganharam o benefício do Programa de Proteção à Testemunha declararam no inquérito que Amarildo foi torturado dentro de um container até morrer. Eles estavam do lado de fora e ouviram. Agora estão em outro Estado, em local secreto. Dos 25 PMs acusados, 15 estão presos. O processo está em fase de audição das testemunhas de defesa dos policiais que negam o crime. Em seguida falarão as testemunhas de acusação.
Enquanto isso, a Beth tem uma pensão de 1 salário mínimo e uma vida muito diferente da que levava na Rocinha antes de o marido desaparecer. Ela continua morando na Rocinha, com os filhos Amarildo de 19, Beatriz de 14, Alisson de 12 e Milena de 7 em uma casa melhor um pouco do que a que tinha com o Amarildo. Uma casa que conseguiu com a ajuda de artistas como Caetano Veloso e Marisa Monte, que fizeram um show em novembro do ano passado no Circo Voador para angariar fundos para ela e para a família. Também passou a ter contato com famílias que perderam parentes como vítimas da PM. Já esteve em encontros em Brasília, São Paulo e Minas. E também já foi presa, lá na Rocinha, por desacato à autoridade. Ela me disse que são os PMs que provocam. Que a ditadura acabou só para os ricos, para os pobres, continua. Que o pessoal da UPP xinga, ameaça seu filho, dizendo que estão de olho nele. Beth está preparando uma manifestação para o dia 14 de julho. Por enquanto ela e a sobrinha Michele, sozinhas, com uns cartazes que foram guardando de outras manifestações. Mas ela vai fazer. A gente gritar pelos nossos direitos, ela me disse, não é crime, e vamos lá para a boca do túnel, para lembrar como eu fiquei no dia 15, no dia 16 de julho indo para UPP, para delegacia, para IML atrás do meu marido e do Major me dizendo que ele tinha sido liberado.
Os detetives que investigaram o caso e que preferiram não se identificar têm duas hipóteses para o desaparecimento do Amarildo. O corpo dele teria sido jogado pelo carro da Polícia na Central de Concreto das obras Linha 4 do Metrô que fica no canteiro central do 23º Batalhão da PM, no Leblon para ser triturado em uma máquina de concreto. Há comprovação de que um carro da PM e do mesmo Batalhão da UPP ficou ali parado por muito tempo no dia 14 de julho de 2013.
Segunda hipótese, o corpo teria sido jogado no lixão do Caju para ser destroçado pelas pás retroescavadeiras e triturado nos caminhões de compactação.
Eu conversei com um especialista que procurou e ainda procura, sem cessar, identificar entre todos os cadáveres sem identificação que surgem no Rio de Janeiro e no Brasil, encontrar o
Amarildo. É o biomédico, professor de mestrado em Direito e perito criminal Rodrigo Grazionoli Garrido. Ele é o diretor do Instituto de Pesquisas e Perícias em Genética Forense da Polícia Civil aqui do Estado do Rio de Janeiro. Um verdadeiro banco de DNA de desaparecidos e criminosos. Vou explicar como funciona. Cada vez que o IML, Instituto de Medicina Legal não consegue identifica um cadáver, nem mesmo pela arcada dentária ou pela papiloscopia – as impressões digitais – envia um fragmento de tecido para o Instituto que coloca o DNA deste cadáver no banco de dados e cruza com o DNA de famílias que estão procurando pessoas desaparecidas. O sistema está integrado com outros estados e, outro dia, recentemente, um cadáver de Minhas bateu com o DNA de uma família do Rio de Janeiro. Por que isso é importante? Uma família encontrar o corpo de um ente querido, do ponto de vista emocional, é claro, mas também do ponto de vista social, regularizar uma situação e às vezes até do ponto de vista econômico, como para receber uma pensão ou uma herança.
Os policiais que trabalham no instituto foram treinados por colegas do FBI, o Federal Bureau of Investigations dos Estados Unidos que é também o desenvolvedor do programa que já está em 16 Estados e tem 300 cadáveres registrados aqui no Rio. Mas o programa vai além. Ele também deve registras, de acordo com a lei 12654, o DNA de presos por crimes hediondos e nisso a coisa não vai tão bem. De acordo com essa lei, todos os condenados deveria ceder material genético para o banco de dados. Mas... a Justiça não tem encaminhado os condenados. Um exemplo que o Dr. Rodrigo me deu. Se há um estuprador em série e fica lá a coleta de semem de uma mulher estuprada, esse criminoso mais tarde pode ser identificado em outro estupro e se pegar a série toda de crimes, como aliás, já aconteceu. Então alô Justiça, vamos colaborar com a própria Lei?
Para encerrar com um outro Que fim levou que tem a ver com o Amarildo. Que fim levou a Delegacia de Pessoas Desaparecidas que anunciamos no dia em que abordamos o caso da patrícia Amieiro? Quem lembra? A Jovita Belfort, mãe do lutador Vitor Belfort, que tem uma filha desaparecida há dez anos, ia se encontrar com o Chefe da Polícia Civil, Fernando Veloso (furo nosso), para marcar a data de inauguração dessa nova unidade. Importante. As pessoas que têm parentes desaparecidos, ao invés de serem atendidas em Homicídios, como são atualmente, passarem a ter um local próprio, especializado. Ora, a pessoa tem sempre a esperança de que quem desapareceu esteja vivo e tem que ir logo na Homicídios? A novidade é que a Policia Civil espera penas a formatura de novos inspetores, prevista pra mês que vem, agora , julho, para instalar a nova delegacia na Cidade da Polícia e atender ali todos os casos de desaparecimento registrados na Capital. Vale lembrar que foi muita luta pra sair essa delegacia, pressão da luta de várias ONGs que se dedicam a pessoas desparecidas, das passeatas, das faixas, das cruzes em Copacabana antes e durante a Copa, enterro simbólico do Amarildo, a Jovita Belfort indo lá na Polícia Civil, ainda na época da Delegada Marta Rocha, tudo isso pesa e é a pressão da sociedade, a nossa pressão, contra o estado paquidérmico, contra a Justiça tartaruga, contra o descaso e aquela atitude que tantas vezes tem o Poder Público como se pudesse fazer de conta que não tem nada a ver com a gente, que não tem satisfações a nos dar, é isso que dá resultado. Dá em Júri, felizmente algumas vezes e dá em novas e melhores delegacias.
Eu fico por aqui. Agradeço a Carolina Mauro, aluna do Jornalismo da Unisuam que desvendou os meandros do banco genético da Polícia Civil e ao Vinícius Melo que opera nossas páginas na internet e que vão continuar na ativa. http://facebook.com/qfimlevou e http://colunaquefimlevou.blogspot.com
Para reflexão uma música em homenagem ao nosso pedreiro Amarildo. Construção de Chico Buarque.
Fui!
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