sexta-feira, 18 de julho de 2014

Caso Palace II

Bom dia Mariana, bom dia Jonathan, bom dia para nossos queridos ouvintes, em especial os taxistas que já brincam comigo usando o nosso Falai Sério em latim, Loquimini serius, a expressão que eu gosto de falar quando realmente a coisa é brava, a coisa é feia, a coisa é daquelas que não dá para acreditar como é o caso do tema do Que fim levou de hoje. O desabamento do Palace II, o prédio na Barra da Tijuca, que desmoronou em parte num sábado de carnaval, no dia 22 de fevereiro de 1998. E foi implodido totalmente seis dias depois.

Pois falai sério, loquimini serius, passados 16 anos, as famílias ainda não receberam toda a indenização. É um dos casos de duração mais longa e com certeza o mais complexo em trâmite na Justiça do Estado do Rio de Janeiro segundo alguns advogados com quem eu conversei. Para as vítimas, é a tragédia que se estende, anos a fio. Chegou ao ponto de, entre as 120 famílias atingidas por essa verdadeira desgraça, 10 já terem perdido seus titulares, que morreram sem ver a cor do dinheiro que lhes era devido e que nem daria para reparar o que sofreram.
Como é que um prédio pode cair assim? Foi a pergunta que todos se fizeram e que até hoje parece mal respondida. O que aconteceu foi que, por volta da meia noite daquele sábado sinistro, soou um grande estrondo e o prédio começou a ruir a ponto de as placas de mármore da fachada saltarem das paredes atingindo até o prédio da frente. Toda a ala do prédio com os 44 apartamentos de final 1 e 2 despencou. Oito pessoas morreram.
Eu conversei com a Dra. Bárbara de Alencar Leão Martins, uma médica que perdeu o filho de 12 anos na tragédia. O menino estava na casa do ex-marido dela, tinha ido passar o Carnaval com o pai, que também morreu, junto com a nova mulher dele e o filhinho do casal, de 4 anos. A Dra. Bárbara me contou que viu na televisão que um prédio havia caído na Barra da Tijuca. Sentiu um aperto no peito, ligou para o telefone, ligou para o celular e ninguém atendia. Decidiu ir para o local e ao ver o carro do ex-marido na garagem já teve, ela me disse, certeza de que ele tinha morrido. Ele era paulista, não ia a lugar nenhum no Rio sem carro. E seu péssimo pressentimento se confirmou. Dra. Bárbara ficou só com o filho mais velho, que hoje tem 32 anos e, na época, ao invés de ir com o irmão par a casa do pai, resolveu passar o Carnaval com amigos, fora do Rio. Ela não conseguiu receber a indenização. Recebeu uma pequena parte e há 4 ou 5 anos não recebe nada. Mas o mais importante para ela não aconteceu: a punição dos culpados.
Eu conversei também com Vítor Lustosa, sobrevivente. Ele é cineasta e estava dormindo na hora em que começou o desabamento, tirando um cochilo por que teria que sair de madrugada para filmar uma escola de samba na avenida. Acordou com o estrondo, aquele barulhão e foi falar com a mulher que estava na sala vendo TV com o cachorrinho poodle da família, enquanto sua enteada, de 16 anos na época, dormia no quarto dela. Enquanto conversava com a mulher sobre o barulho, o interfone tocou. Era seu vizinho de porta, o hoje Coronel Bombeiro aposentado Marcos Silva. Marcos dizia nervoso no telefone para o Vítor descer imediatamente com a família por que o prédio estava caindo. Vítor pegou só a chave do carro e uma caixa de calmantes. Muitas pessoas foram avisadas pelo Coronel. Ficaram todas na portaria, conversando, sem acreditar, mas o bombeiro, experiente, explicava sobre o perigo. E foi até a garagem com alguns moradores, entre eles o Vítor. Vítor nem acreditava no que viu - a maior pilastra de sustentação da garagem estava com os ferros à mostra, vergalhões de mais de um metro toros retorcidos. Vitor, que tinha pensado em voltar ao apartamento, decidiu que não. Mas outros voltaram. O filho do sindico que estava ao seu lado foi um deles,. Subiu para pegar um iogurte. Uma outra moradora também, voltou a seu apartamento para pegar a fantasia de carnaval com que ia desfilar no dia seguinte no sambódromo. Poucos minutos depois, o pessoal conversando sobre chamar a Concremat para resolver o problema da pilastra, começou o desastre total. O menino do iogurte e a moça da fantasia não voltaram mais, morreram soterrados.
Vitor refez a vida, com um novo casamento já que o primeiro não resistiu às dores da tragédia e hoje tem uma filhinha d 5 anos. Mas, como todos os outros, nunca mais se recuperou totalmente. Ele teve problemas no coração, colocou duas pontes safena. E nunca recebeu nenhum centavo de indenização. Ele mesmo atribui isso ao fato de ter ficado sozinho, ter decidido entrar na Justiça sozinho. Agora ele também faz parte da Associação das Vítimas do Palace II que é a instituição que reúne todas as famílias e está conseguindo pelo menos alguma coisa. Eu conversei com a presidente da Associação, Rauliete Guedes que me explicou sobre o andamento, ou melhor o não andamento deste processo que dura já quase 16 anos. O apartamento do filho dela desmoronou e o dela foi implodido. Eu já conto como está o processso, mas vamos parar aqui um pouquinho só para deixar claro as consequências disso tudo. As pessoas não puderam mais voltar às suas casas. Não puderam mais entrar. Não puderam pegar nada. Não apenas os bens materiais, eletrodomésticos, joias, dinheiro, mas todas as suas recordações, as fotos, os objetos queridos, nada. Foi como ficar nu, sem lar e sem memória. Além das 120 famílias desalojadas do Palace, o desmoronamento do prédio obrigou, por questões de segurança e prevenção, a evacuação de dezoito edifícios em um raio de 200 metros do Palace II, desalojando temporariamente cerca de 14.000 pessoas. Dá para ter uma ideia da proporção disso?
Como é que pode um prédio cair assim? A pergunta que todos se fizeram e se fazem até hoje os que ainda sofrem nunca foi muito bem respondida. De acordo com o laudo de vistoria da prefeitura do Rio, divulgado na época, a causa do desabamento foi o esmagamento do pilar P 17 A. Mas o laudo não concluiu se o motivo teria sido falha no projeto, que teria provocado sobrecarga nesse ponto, ou insuficiência do material. Um dos peritos, Hugo Monteiro, do Instituto de Criminalística Carlos Éboli, atestou material de má qualidade, dizendo que o concreto usado nas pilastras chegava a se esfarelar na mão. Se chegou até suspeitar sobre uso de água do mar ou água salobra na construção.
O resultado é que ninguém foi punido. A Dra. Bárbara, a médica que perdeu o filho no desmoronamento, me disse que, na Justiça, o processo para os projetistas do prédio, foi um passeio no parque. E para o Sergio Naya também.
Quem era Sergio Naya - o dono das empresas construtora e incorporadora dos prédios, que morreu em 2009? Um empresário muito controvertido que já tivera outros problemas com edificações da sua responsabilidade. E muito amigo do Poder.
Ele fez fortuna construindo os prédios de anexos de Ministérios em Brasília, uma fortuna que ele mesmo gostava de dizer que chegava a meio bilhão de dólares, isso mesmo, US$ 500 milhões. Engenheiro, se tornou o deputado federal mais votado de Minas Gerais em 1990, depois de uma campanha em que foi acusado de distribuir máquinas de costura e distribuir transmissores para rádios comunitárias. Naya gostava de se vangloriar de ser padrinho de três netos do General Golbery do Couto e Silva, ex-Chefe do Serviço Nacional de Informações e vivia emprestando apartamentos e seus jatinhos para políticos. Ele, o engenheiro responsável e os projetistas do prédio foram absolvidos em todos os processos criminais. Na Justiça, só correm agora os processos de indenizações.
Como a Rauliette, a presidente da associação das vítimas, me contou tudo é lento e complicado. A avaliação dela é de que as vítimas receberam até gora cerca de 40% do total a que têm direito, em sete partilhas de bens já realizadas, e ainda faltam cerca de R$ 100 milhões a serem rateados entre as 120 famílias. São, é claro, indenizações que variam de acordo com as perdas das pessoas, se tiveram parentes mortos, se eram inquilinas, se eram proprietárias. Imagina que algumas, que no dia do acidente foram alojadas em motéis na Barra, por que não tinham para onde ir, depois de anos morando em hotel foram despejadas porque a empresa do Naya não pagava as diárias!
Enfim, o processo está na 4a Vara Empresarial do Tribunal de Justiça do Rio, com o juiz Gilberto Clovis Farias Matos que, é claro, não é o primeiro, nem foi o único a tratar do caso. Tomara, pelo menos que seja o último. A dificuldade agora é que o perito, nomeado por esse juiz, chegue a um cálculo aceitável pelos advogados de ambas as apartes, os advogados da Associação das Vítimas e os advogados do grupo Sersan. O advogado das vítimas, Eduardo Lutz, diz que já corrigiu 8 erros do atual perito, que aceitou as correções e nisso, entre o antigo perito e o atual perito, esse cálculo está sendo feito há mais de 4 anos. Há brigas também pelo valor de venda dos terrenos do espólio de Sérgio Naya que vão sendo leiloados para pagar as dívidas dele, que não são só com as vítimas. As vítimas têm prioridade, mas existem outros credores que tentam embargar o pagamento e entrar no recebimento dos valores. Além do mais os advogados dos dois lados também brigam sobre o valor de venda dos bens. E até mesmo sobre os honorários. O perito, em um dos cálculos, informou que o advogado de defesa, Dr. Eduardo Lutz, teria recebido R$ 4 milhões de reais a mais. O advogado já fez sua resposta dizendo que não, que o perito errou e esse valor se refere a honorários de sucumbência - ou seja devidos pelo réu - e que foram mandados pagar em juízo. Então a discussão do momento é essa, se os advogadas da defesa deveriam ter recebido, durante esse período de 16 anos R$ 3 ou 7 milhões; Enquanto isso, existem R$ 8 milhões depositados no Banco do Brasil, que estão lá há 5 anos sem chegar às mãos das famílias. E famílias como a do Vitor Lustosa que não receberam nenhum tostão.
Por fim, eu tentei falar com o juiz, saber por que isso demora tanto....A resposta veio da assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça: Não há novidades quanto à tramitação processual. No momento, os autos da ação aguardam remessa para vista do Ministério Público. Falai sério não é mesmo? Loquimini serius.
Muita dor, muito sofrimento mesmo. 16 anos. E não há nada a fazer além de esperar pela Justiça. Minha solidariedade aqui às famílias. E fica o nosso protesto, né , de todos nós. Para terminar uma música um pouco violenta do Lobão, “A queda”, mas o que fazer, esse caso foi mesmo uma violência!

6 comentários:

  1. Enquanto o Brasil chora pelas vítimas de Mariana e o mundo pela França, ninguém mais chora pelas vítimas do Palace

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Muito triste e penoso o caminho das vitimas,doenças,mortes.,irreparavel perda material.Enquanto estava na midia ainda tinha alguns resultados ,Agora que nao interessa mais caiu no esquecimento.Lutamos o tramite lento 16 anos e o caso nao tem resoluçao,Alguem pode me explicar porque isso ocorre no Brasil?

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  4. A preocupação dos governantes é com o seu eu. Fora isso salve-se quem puder.

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  5. A preocupação dos governantes é com o seu eu. Fora isso salve-se quem puder.

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