O que morreu mesmo, Boechat foi o espaço barato para assistir a jogo de futebol no estádio, isso, acabou de verdade! E não só no Maracanã e não só em Copa do Mundo. Vou mostrar como a coisa ficou feia . Mas antes vamos ver como morreu o Geraldino.
O dia em que a geral abrigou mais pessoas, 40 mil pessoas, foi o da vitória da Seleção brasileira contra o Paraguai nas eliminatórias de 1969. Eu estava lá, espremidinha na arquibancada, em um total oficial de 183.341 torcedores. Normalmente, cabiam 30 mil pessoas no espaço . Para quem nunca viu e eu vi – meninos, eu vi, pois eu sou tijucana e fui uma frequentadora assídua do Maracanã, eu fui uma Arquibalda que ia de camisa e tudo – a geral era um espaço cimentado sem assentos e as pessoas ficavam bem perto do campo mesmo, com uma espécie de fosso de três metros de largura por três de altura entre elas e o gramado , com o gramado estando a uma altura mais ou menos ali pelo meio do peito de um adulto de estatura média. E os torcedores da geral eram os mais fanáticos, hein, muitos iam fantasiados e muitos iam sempre, iam a todos os jogos do seu time.
O último dia da Geral foi o dia 24 de abril de 2005, um jogo entre o Fluminense e o São Paulo. Os geraldinos tiveram direito até a entrar em campo e fazer uma baita de uma farra. Mas a geral já vinha sendo esvaziada bem antes disso, desde a década de 90, a partir de acidentes e de atos violentos que aconteciam nas arquibancadas, mas acabavam sobrando para a geral. Em 2000, o Ministério da Justiça chegou a decretar o fechamento de todas as gerais do Brasil. Algumas, como a do Maracanã voltaram a abrir, mas nunca com a mesma força. Este esvaziamento se deu também pela presença cada vez maior da propaganda , que ia tirando ainda mais os campos de visão de quem estava na geral e da adaptação cada vez maior dos estádios às transmissões dos jogos pelas emissoras de TV.
O ingresso da geral custava bem baratinho. Na proporção, ele era em média ¼ do preço da arquibancada que por sua vez era ¼ do preço da cadeira. E os ingressos do futebol, em geral, todos os ingressos eram muito mais baratos do que hoje. Vamos fazer uma comparação entre os ingressos dos jogos do Brasil em Copa do Mundo. O valor médio de um ingresso para ver o Brasil na Copa de 1950 custava menos de 10% do que custa hoje, exatamente 7,7%. Naquela época, o valor médio era de 35 cruzeiros e 14 centavos e agora é de R$ 531,79. Os cálculos e a adaptação entra as moedas, para a gente poder ter a comparação, foram feitos pela Fecomércio, a Federação de Comércio do Rio de Janeiro. Não custa lembrar que o ingresso mais barato para o jogo de ontem, era de R$ 160,00, atrás do gol. Enquanto o mais caro custava R$ 990,00 e estamos só no começo. Na final da Copa, o o ingresso mais caro custa R$ 1.980,00. E o mais barato, 330,00
Quem faz cálculos com mais emoção é o Anjinho, um torcedor flamenguista muito conhecido aqui no Rio de Janeiro. Ele, que na verdade se chama Marcelo Nuba, tem 37 anos e me garantiu que frequentou a geral desde sempre, tendo ido a jogos pagando desde R$ 1,00 em 1996 até R$ 3,00 no último jogo. Ele lembra até hoje Boechat que o Flamengo prometeu uma vez que se a Porgtuguesa ganhasse ia devolver o dinheiro do ingresso para os geraldinos. Pois a Portuguesa ganhou e o Clube não devolveu... Anjinho não perdoa. Ele me disse que viu todos, todos os jogos do Flamengo desde 2002 e agora quase não vê mais por que os ingressos dos jogos custam muito caro. Os dos regionais estão na faixa de R$40,00 a R$ 80,00 e dos nacionais entre R$ 60,00 e R$ 110,00.
O Anjinho do Maracanã, que sobrevive de vender produtos com a logomarca dele, camisas, almofadas, na porta dos estádios e ontem estava lá em Copacabana, no Cam – RJ, o Centro Aberto de Mídia, não é contra a Copa nem contra a modernização dos estádios, inclusive ele fala que o pior dia da vida dele foi ter assistido ao desabamento de parte das arquibancadas do Maracanã em 1992, mas acha que toda essa elitização do futebol foi muito ruim e que o Brasil devia gastar mais em outras coisas como Educação e Saúde. O Anjinho participa da campanha Liga pela Paz contra a violência nos estádios e se juntou a outros geraldinos também lendários em uma luta; a luta para cotas para ingressos mais baratos para os antigos frequentadores da Geral. Estão com ele nessa o Homem da Peruca do Vasco, o Jarbas - o homem da Taça do Botafogo e o Mascarado Tricolor. Eles até querem engajar o dublê de ex-jogador e atual parlamentar Romário nessa, mas eu falei com o gabinete do Romário e o Romário não abraça a causa dessa cota Geraldino.
Cota até teve, pois a Fifa destinou, do total de ingressos desta Copa, 300 mil para serem oferecidos preferencialmente para idosos, estudantes e participantes do Bolsa Família. Menos de 10% do total de mais de 3 milhões e 300 mil . Detalhe, todos esses 300 mil ingressos a R$ 60 nos jogos mais baratos, na fase inicial e nos piores lugares dos estádios. Quase tão ruim de ver o jogo quanto era ver da geral. Ingresso para a geral? Eu achei, Boechat, só que caríssimo! Um ingresso antigo, antigo, com o valor de 5 cruzeiros estampado nele e sabe por quanto está à venda num desses sites de troca da internet? Por R$ 100,00, para os saudosistas....
Agora, tem muita gente lembrando a geral e os ingressos baratos de antigamente por motivos que não são apenas a saudade. Gente que está levando o assunto de elitização do futebol a sério. É o caso do professor alemão Martin Curi, Doutor em Antropologia que dá aula como visitante na UERJ. Apaixonado por futebol, ele aponta a elitização dos estádios como um risco de perda cultural para o país. Lembra das comidas típicas como o feijão-tropeiro que saboreava no estádio de Natal acompanhado por uma cachacinha agora substituído por sanduiches padronizados e embalados em plástico e acredita que a falta de emoção pode até mesmo prejudicar financeiramente a longo prazo os próprios clubes, defendendo setores mais baratos e a volta da cerveja, tomando como exemplo o seu país, onde as gerais recebem as torcidas organizadas e o ingresso é mais barato que os atuais no Brasil.
Outro professor, também antropólogo, da UFF, o brasileiro Marcos Alvito, passou um ano na Inglaterra, escreveu o livro A Rainha de Chuteiras e teme que o Brasil esteja trilhando o mesmo mau caminho que o Reino Unido –. Invocando a prevenção à violência, no caso lá os temidos Hooligans, para transformar os seus estádios em estúdios e afastar os mais humildes e as famílias do esporte ao vivo. O professor constatou que lá não deu certo, os ingressos estão a preços equivalentes aqui a R$ 110,00, R$120,00, os estádios estão cada vez mais vazios, com as pessoas preferindo ver os jogos em casa ou nos bares, lá nos Pubs, né, e os clubes cada vez mais endividados. O professor fundou com alguns alunos uma Associação: a Associação Nacional dois Torcedores que já tem quase 3 mil filiados e milita na luta contra a elitização do futebol, embora ele mesmo saiba que não é fácil já que o esporte como um todo, se tornou uma indústria tão forte que, nos Estados unidos já fatura duas vezes mais do que a indústria automobilística, só para dar um exemplo.
Esperneando estão também, Boechat até os donos das cadeiras cativas do Maracanã, olha uma turma que era de elite, umas 5 mil pessoas. Estão brigando na Justiça porque a Fifa fica com o direito de vender todos os ingressos da Copa, sem exceção. O Estado fez um acordo e e deveria ter dado uma indenização para eles comprarem os ingressos, mas demorou e até agora não indenizou ninguém. Então, dono de cadeira também ficou sem, igualzinho a Geraldino e Arquibaldo.
Com essa, só me despedindo com uma linda música do Gonzaguinha que tem exatamente esse título, Geraldinos e Arquibaldos e que compara as agruras em campo com o nosso duro dia a dia. Antes agradecendo ao Vinicius Melo, aluno ado Jornalismo da Unisuam que me ajudou a apurar a coluna e convidando vocês a nos visitarem no facebook e no blog colunaquefimlevou.blogspot.com.br.
Até a próxima sexta.
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