sexta-feira, 9 de maio de 2014

Caso do ônibus que caiu do viaduto

Greve de ônibus na Cidade Maravilhosa ontem e o tema do Que fim levou de hoje é o terrível acidente de ônibus que acabou matando 9 pessoas no dia 2 de abril do ano passado. Tudo aconteceu por causa de uma briga entre motorista e passageiro dentro da linha 328, que vai do bairro Bananal, na Ilha do Governador, até o Castelo no centro da cidade. O caso eu conto como o caso foi, baseada, no depoimento de testemunhas, que já foram ouvidas em audiência, no processo que corre na 5ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça.



Rodrigo dos Santos Freire se dirigiu para a porta de trás do ônibus para sair, mas a porta fechou e ele não conseguiu descer. As testemunhas dizem que em outros pontos, antes, isso já havia acontecido, não dar tempo para todos os passageiros descerem. Rodrigo pulou a catraca para passar para a parte da frente do ônibus e começou a discutir com o motorista, André Luiz da Silva Oliveira.

Ainda de acordo com as testemunhas, André disse para o Rodrigo que ele não desceu do ônibus porque foi andando rebolando para a porta. No próximo ponto, Rodrigo pediu para descer pela porta da frente. André disse que não era permitido, que Rodrigo voltasse para descer pela porta de trás. A discussão piorou e uma das testemunhas disse que André, o motorista chegou a dizer para Rodrigo, o passageiro: “Quer me bater? ?Vem me bater”. Rodrigo se pendurou com as duas mãos na barra de ferro que serve de apoio aos passageiros e chutou o rosto de André várias vezes. André desmaiou. O ônibus despencou do viaduto Brigadeiro Trompowski, uma altura de mais de 10 metros. Resultado 9 mortos e 11 vítimas, a maioria com ferimentos graves. Entre elas, Rodrigo e André.

Rodrigo quebrou sete dentes e fraturou a bacia. André fraturou o fêmur, precisou ser operado e colocar pinos nos ossos. Ambos são réus acusados pelo Ministério Público, de Atentado contra a segurança de transporte público, Lesão Corporal Grave e Lesão Corporal Gravíssima e Lesão Corporal Seguida de Morte. Os dois podem ir a Júri popular e pegar penas altas. Mas já tiveram suas vidas muito, muito abaladas e, os dois, estão sofrendo muito. Eu conversei com o Rodrigo e com o André. E eu fiquei muito triste com essas conversas por perceber que todos nós, certa forma, corremos o risco, por uma soma geral de falta de respeito geral de nos ver envolvidos numa dessa em que um ou dois vivem o seu dia de fúria com drásticas consequências para todos. Mas vamos lá ao que esses dois tão culpados e tão vítimas me contaram.

O André tem 33 anos e fez de tudo um pouco, foi ajudante de pedreiro e de cozinheiro, antes de conseguir tirar a carta como ele diz para realizar o sonho de ser motorista. Sonho que ele tinha desde os 12 anos quando acompanhava o namorado de uma prima, motorista de micro ônibus, levando as crianças na escola. Quando o ônibus estacionava na garagem, André ficava no volante lá, fingindo que já era motorista. Na profissão, ele estava há 2 anos e 2 meses, sem nunca ter se envolvido em um acidente. Multas foram duas. Justamente por ter parado fora do ponto. E o que o André me falou sobre o acidente? Ele me falou que está com amnésia. Em consequência de ter batido com a cabeça. A última coisa de que lembra é da saída com o ônibus da empresa, a Paranapuan. E argumenta: “Se eu errei, a atitude dele – o passageiro, o Rodrigo, deveria ser esperar parar o ônibus e chamar uma viatura policial e não me agredir, ainda mais porque ele estava dentro do ônibus, não podia agredir quem estava dirigindo o ônibus”. André também me contou que terminou a licença remunerada dele pelo INSS. Ele se apresentou de novo na empresa. E o que a empresa fez? Demitiu o André por justa causa. Então agora o André está andando de muleta, sem poder trabalhar e sem ganhar um tostão, nem daqui e nem de lá. Ele tem 4 filhos lá em Aracaju, do primeiro casamento, e quem está pagando a pensão alimentícia destes filhos é mãe dele.

E o Rodrigo? O Rodrigo tem 26 anos. Estuda Física e estava indo para a Universidade naquele dia fatídico. Como o André não lembra, afirma que não lembra de nada, o Rodrigo ficou com esse ônus de lembrar de tudo sozinho. E ele é muito lúcido lembrando. Como estudante de física, ele foi logo me dizendo que se ele estivesse pensando com clareza naquele momento da discussão, em pé, em frente ao para-brisa do ônibus, um para-brisa daquele tamanho, já ia lembrar da lei da inércia para ver que bastava uma freada brusca e uma batida para ele correr o risco de ser jogado pra fora e se machucar ou até morrer. Então o que o Rodrigo diz é que naquele momento ele agiu em legitima defesa. Que o motorista chamou ele pra briga e ia atacar e que ele agiu em um impulso. Ele me disse assim: “Antes de ser racional, eu sou um animal, um animal racional, como todo mundo. Foi um impulso. Eu não iria, racionalmente, cometer um ato de suicídio”. O Rodrigo também me falou que está tentando reconstruir a vida dele, continua estudando e continua sendo um dos melhores alunos, pretendendo enfrentar de cabeça erguida tudo que ainda vem pela frente e não ser visto como um assassino. Mas ele me disse uma coisa muito importante para a gente refletir aqui. Andar de ônibus no Rio é uma tortura, para o motorista e para o passageiro. Como não dá para descontar na empresa, o motorista desconta no passageiro e o passageiro desconta no motorista.

Eu fui dar uma pesquisada em como é a estrutura dos ônibus aqui do Município do Rio de Janeiro e quem me ajudou nesta pesquisa e em toda apuração do Que fim levou de hoje foi meu fiel escudeiro Alexandre Lima, aluno da Faculdade de Jornalismo da Unisuam. Vamos lá:

São cerca de 700 linhas que fazem 1 milhão 350 mil viagens por mês, o que dá mais de 60 milhões de quilômetros, levando 80 milhões de passageiros. Nelas trabalham uns 19 mil motoristas e uns 10 mil cobradores, figuras em extinção, agora que as empresas estão colocando os motoristas em dupla função, de dirigir e cobrar a passagem ao mesmo tempo. Um dos motivos da greve, aliás.

Mas as reclamações dos motoristas vão muito além disso. Eu conversei com o Sebastião José, vice-presidente do Sindicato dos motoristas, o Sintraurp, e ele me disse que, além de ganhar pouco, R$ 1.957 reais,86 por mês, os motoristas fazem jornadas muito longas, quer dizer muitas horas extras, que muitas vezes não são pagas. Por que? Porque com o trânsito caótico é difícil que a programação de viagens acabe no horário correto que é de 7 horas. Se acaba antes, o patrão quer que faça mais uma viagem então dá hora extra. Aí o motoristas trabalha 10, 12 horas, demora mais 1 hora e meia para ir e mais 1 hora e meia para voltar de casa ao trabalho, quer dizer que horas que esse cara dorme? Além disso, uma categoria dessa, com alto nível , altíssimo nível de estresse, não tem plano de saúde incluído no contrato de trabalho. Também não tem café da manhã. Muitos chegam no trabalho e vão pegar o ônibus com fome. Fora ainda a clássica falta de banheiro. Não tem onde fazer xixi. Falai sério, vamos falar em latim, Loquimini serius. Essa do motorista cobrar a passagem é comparada pelo Sebastião José com a proibição de falar no celular ao dirigir. Ele acha que se é proibido falar no celular por tirar a atenção de quem dirige deveria ser proibido também o motorista cobrar a passagem pois tira a atenção, enfim atividades que não combinam bem entre si.

Procuramos o outro lado, a Rio Ônibus, sindicato dos patrões. Perguntamos que medidas eles tomaram após o acidente. Presta atenção Eles mandaram um e-mail, copiando um prospecto, um manual de algum cursinho para motoristas, alguma coisa lá pronta, informando os temas de um curso para motoristas, informando que 11 mil passaram por oficinas educacionais e sete gravaram um CD com musicas de sua autoria. Fala sério.

E o governo, hein? A secretaria de Transporte fez que nem a minha avó dizia. Porta arrombada, cadeado nela. Nove dias depois que o ônibus caiu lá de cima do viaduto, a Secretaria municipal de Transportes multou o consórcio Internorte e a Paranapuan, empresa responsável pela linha, em R$ 117.883,55 por infrações ao código disciplinar e ao contrato de concessão. Segundo a prefeitura, do total, R$106.371,55 correspondem a irregularidades com a frota e R$11.512 por atraso na vistoria do Detran, problemas que já existiam antes do acidente. Falai sério. Loquimini serius. A Paranapuan, apesar de termos ligado várias vezes não quis falar nem A nem B.

Quero agradecer a Dra. Márcia Dias Alves, advogada do motorista André, que nos esclareceu vários aspectos do caso e está juntando provas, inclusive do tacógrafo para mostrar que o André não estava em excesso de velocidade. E ao Dr. Gentil Portela, advogado do Rodrigo, que também foi fundamental para podermos levantar toda a história. Uma história que levou nove pessoas à morte, infelizmente, e não chegou ao fim para o Rodrigo nem para o André. E, infelizmente, uma história que está longe de chegar ao fim para quem depende de ônibus. Só para dar uma ideia do descaso geral par ao assunto, o Brasil teve uma grande oportunidade de dar um passo a frente em termos de acidentes de trânsito em 2010 quando a ONU proclamou o período 2011-2020 Década Mundial de Ações de Segurança no Trânsito, com o objetivo de reduzir de 50% a taxa de mortalidade em acidentes. O número de mortos no trânsito no mundo era, então, avaliado em 1milhão e 300 mil por ano no mundo. O Brasil manifestou a intenção de participar, porém, acabou não adotando o plano de trabalho proposto. Que significava na prática por exemplo, exigir da indústria veículos mais seguros.

Até mesmo as estatísticas de acidentes pararam de ser feitas. A estatística oficial de referência em nível nacional, publicada pelo Ministério da Saúde, indica, para 2011, um número de 43.256 mortos em acidentes de trânsito. É o último dado publicado. Mas a coisa é tão mal parada que outra estatística, produzida pela Seguradora Líder, indica o número de óbitos decorrentes de acidentes de trânsito, indenizados no âmbito do seguro DPVAT, aquele seguro obrigatório que é pago por todos os proprietários de veículo e que serve para indenizar vítimas de acidente, seria da ordem de 58.000. Ou seja, ninguém dá muita bola para o assunto. Outra prova? Desde 2006 o valor do prêmio do DPVAT não é reajustado pelo governo. A vítima fatal recebe R$ 13 mil e 500 o mesmo valor máximo para invalidez e para despesas médicas e hospitalares R$ 2.700.

É isso aí

Vai almoçar em casa Boechat?

Vai de ônibus?

Eu fico por aqui, e espero todo mundo nas nossas páginas maravilhosas feitas pelo aluno Vinícius Mello, um craque da informática, o facebook que fim levou e o blogspot colunaquefimlevou blospot.com.br. Visitem, critiquem deixem sugestões.

Podem deixar parabéns também que semana que vem faço 60 anos, sendo 40 de jornalismo com muito orgulho.

Tem a musica pra despedida e é do Ultraje a rigor, Ponto de ônibus . Até sexta-feira gente. Bom fim de semana






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