Rodrigo dos Santos Freire se dirigiu para a porta de trás do ônibus para sair, mas a porta fechou e ele não conseguiu descer. As testemunhas dizem que em outros pontos, antes, isso já havia acontecido, não dar tempo para todos os passageiros descerem. Rodrigo pulou a catraca para passar para a parte da frente do ônibus e começou a discutir com o motorista, André Luiz da Silva Oliveira.
Ainda de acordo com as testemunhas, André disse para o Rodrigo que ele não desceu do ônibus porque foi andando rebolando para a porta. No próximo ponto, Rodrigo pediu para descer pela porta da frente. André disse que não era permitido, que Rodrigo voltasse para descer pela porta de trás. A discussão piorou e uma das testemunhas disse que André, o motorista chegou a dizer para Rodrigo, o passageiro: “Quer me bater? ?Vem me bater”. Rodrigo se pendurou com as duas mãos na barra de ferro que serve de apoio aos passageiros e chutou o rosto de André várias vezes. André desmaiou. O ônibus despencou do viaduto Brigadeiro Trompowski, uma altura de mais de 10 metros. Resultado 9 mortos e 11 vítimas, a maioria com ferimentos graves. Entre elas, Rodrigo e André.
Rodrigo quebrou sete dentes e fraturou a bacia. André fraturou o fêmur, precisou ser operado e colocar pinos nos ossos. Ambos são réus acusados pelo Ministério Público, de Atentado contra a segurança de transporte público, Lesão Corporal Grave e Lesão Corporal Gravíssima e Lesão Corporal Seguida de Morte. Os dois podem ir a Júri popular e pegar penas altas. Mas já tiveram suas vidas muito, muito abaladas e, os dois, estão sofrendo muito. Eu conversei com o Rodrigo e com o André. E eu fiquei muito triste com essas conversas por perceber que todos nós, certa forma, corremos o risco, por uma soma geral de falta de respeito geral de nos ver envolvidos numa dessa em que um ou dois vivem o seu dia de fúria com drásticas consequências para todos. Mas vamos lá ao que esses dois tão culpados e tão vítimas me contaram.
O André tem 33 anos e fez de tudo um pouco, foi ajudante de pedreiro e de cozinheiro, antes de conseguir tirar a carta como ele diz para realizar o sonho de ser motorista. Sonho que ele tinha desde os 12 anos quando acompanhava o namorado de uma prima, motorista de micro ônibus, levando as crianças na escola. Quando o ônibus estacionava na garagem, André ficava no volante lá, fingindo que já era motorista. Na profissão, ele estava há 2 anos e 2 meses, sem nunca ter se envolvido em um acidente. Multas foram duas. Justamente por ter parado fora do ponto. E o que o André me falou sobre o acidente? Ele me falou que está com amnésia. Em consequência de ter batido com a cabeça. A última coisa de que lembra é da saída com o ônibus da empresa, a Paranapuan. E argumenta: “Se eu errei, a atitude dele – o passageiro, o Rodrigo, deveria ser esperar parar o ônibus e chamar uma viatura policial e não me agredir, ainda mais porque ele estava dentro do ônibus, não podia agredir quem estava dirigindo o ônibus”. André também me contou que terminou a licença remunerada dele pelo INSS. Ele se apresentou de novo na empresa. E o que a empresa fez? Demitiu o André por justa causa. Então agora o André está andando de muleta, sem poder trabalhar e sem ganhar um tostão, nem daqui e nem de lá. Ele tem 4 filhos lá em Aracaju, do primeiro casamento, e quem está pagando a pensão alimentícia destes filhos é mãe dele.
E o Rodrigo? O Rodrigo tem 26 anos. Estuda Física e estava indo para a Universidade naquele dia fatídico. Como o André não lembra, afirma que não lembra de nada, o Rodrigo ficou com esse ônus de lembrar de tudo sozinho. E ele é muito lúcido lembrando. Como estudante de física, ele foi logo me dizendo que se ele estivesse pensando com clareza naquele momento da discussão, em pé, em frente ao para-brisa do ônibus, um para-brisa daquele tamanho, já ia lembrar da lei da inércia para ver que bastava uma freada brusca e uma batida para ele correr o risco de ser jogado pra fora e se machucar ou até morrer. Então o que o Rodrigo diz é que naquele momento ele agiu em legitima defesa. Que o motorista chamou ele pra briga e ia atacar e que ele agiu em um impulso. Ele me disse assim: “Antes de ser racional, eu sou um animal, um animal racional, como todo mundo. Foi um impulso. Eu não iria, racionalmente, cometer um ato de suicídio”. O Rodrigo também me falou que está tentando reconstruir a vida dele, continua estudando e continua sendo um dos melhores alunos, pretendendo enfrentar de cabeça erguida tudo que ainda vem pela frente e não ser visto como um assassino. Mas ele me disse uma coisa muito importante para a gente refletir aqui. Andar de ônibus no Rio é uma tortura, para o motorista e para o passageiro. Como não dá para descontar na empresa, o motorista desconta no passageiro e o passageiro desconta no motorista.
Eu fui dar uma pesquisada em como é a estrutura dos ônibus aqui do Município do Rio de Janeiro e quem me ajudou nesta pesquisa e em toda apuração do Que fim levou de hoje foi meu fiel escudeiro Alexandre Lima, aluno da Faculdade de Jornalismo da Unisuam. Vamos lá:
São cerca de 700 linhas que fazem 1 milhão 350 mil viagens por mês, o que dá mais de 60 milhões de quilômetros, levando 80 milhões de passageiros. Nelas trabalham uns 19 mil motoristas e uns 10 mil cobradores, figuras em extinção, agora que as empresas estão colocando os motoristas em dupla função, de dirigir e cobrar a passagem ao mesmo tempo. Um dos motivos da greve, aliás.
Mas as reclamações dos motoristas vão muito além disso. Eu conversei com o Sebastião José, vice-presidente do Sindicato dos motoristas, o Sintraurp, e ele me disse que, além de ganhar pouco, R$ 1.957 reais,86 por mês, os motoristas fazem jornadas muito longas, quer dizer muitas horas extras, que muitas vezes não são pagas. Por que? Porque com o trânsito caótico é difícil que a programação de viagens acabe no horário correto que é de 7 horas. Se acaba antes, o patrão quer que faça mais uma viagem então dá hora extra. Aí o motoristas trabalha 10, 12 horas, demora mais 1 hora e meia para ir e mais 1 hora e meia para voltar de casa ao trabalho, quer dizer que horas que esse cara dorme? Além disso, uma categoria dessa, com alto nível , altíssimo nível de estresse, não tem plano de saúde incluído no contrato de trabalho. Também não tem café da manhã. Muitos chegam no trabalho e vão pegar o ônibus com fome. Fora ainda a clássica falta de banheiro. Não tem onde fazer xixi. Falai sério, vamos falar em latim, Loquimini serius. Essa do motorista cobrar a passagem é comparada pelo Sebastião José com a proibição de falar no celular ao dirigir. Ele acha que se é proibido falar no celular por tirar a atenção de quem dirige deveria ser proibido também o motorista cobrar a passagem pois tira a atenção, enfim atividades que não combinam bem entre si.
Procuramos o outro lado, a Rio Ônibus, sindicato dos patrões. Perguntamos que medidas eles tomaram após o acidente. Presta atenção Eles mandaram um e-mail, copiando um prospecto, um manual de algum cursinho para motoristas, alguma coisa lá pronta, informando os temas de um curso para motoristas, informando que 11 mil passaram por oficinas educacionais e sete gravaram um CD com musicas de sua autoria. Fala sério.
E o governo, hein? A secretaria de Transporte fez que nem a minha avó dizia. Porta arrombada, cadeado nela. Nove dias depois que o ônibus caiu lá de cima do viaduto, a Secretaria municipal de Transportes multou o consórcio Internorte e a Paranapuan, empresa responsável pela linha, em R$ 117.883,55 por infrações ao código disciplinar e ao contrato de concessão. Segundo a prefeitura, do total, R$106.371,55 correspondem a irregularidades com a frota e R$11.512 por atraso na vistoria do Detran, problemas que já existiam antes do acidente. Falai sério. Loquimini serius. A Paranapuan, apesar de termos ligado várias vezes não quis falar nem A nem B.
Quero agradecer a Dra. Márcia Dias Alves, advogada do motorista André, que nos esclareceu vários aspectos do caso e está juntando provas, inclusive do tacógrafo para mostrar que o André não estava em excesso de velocidade. E ao Dr. Gentil Portela, advogado do Rodrigo, que também foi fundamental para podermos levantar toda a história. Uma história que levou nove pessoas à morte, infelizmente, e não chegou ao fim para o Rodrigo nem para o André. E, infelizmente, uma história que está longe de chegar ao fim para quem depende de ônibus. Só para dar uma ideia do descaso geral par ao assunto, o Brasil teve uma grande oportunidade de dar um passo a frente em termos de acidentes de trânsito em 2010 quando a ONU proclamou o período 2011-2020 Década Mundial de Ações de Segurança no Trânsito, com o objetivo de reduzir de 50% a taxa de mortalidade em acidentes. O número de mortos no trânsito no mundo era, então, avaliado em 1milhão e 300 mil por ano no mundo. O Brasil manifestou a intenção de participar, porém, acabou não adotando o plano de trabalho proposto. Que significava na prática por exemplo, exigir da indústria veículos mais seguros.
Até mesmo as estatísticas de acidentes pararam de ser feitas. A estatística oficial de referência em nível nacional, publicada pelo Ministério da Saúde, indica, para 2011, um número de 43.256 mortos em acidentes de trânsito. É o último dado publicado. Mas a coisa é tão mal parada que outra estatística, produzida pela Seguradora Líder, indica o número de óbitos decorrentes de acidentes de trânsito, indenizados no âmbito do seguro DPVAT, aquele seguro obrigatório que é pago por todos os proprietários de veículo e que serve para indenizar vítimas de acidente, seria da ordem de 58.000. Ou seja, ninguém dá muita bola para o assunto. Outra prova? Desde 2006 o valor do prêmio do DPVAT não é reajustado pelo governo. A vítima fatal recebe R$ 13 mil e 500 o mesmo valor máximo para invalidez e para despesas médicas e hospitalares R$ 2.700.
É isso aí
Vai almoçar em casa Boechat?
Vai de ônibus?
Eu fico por aqui, e espero todo mundo nas nossas páginas maravilhosas feitas pelo aluno Vinícius Mello, um craque da informática, o facebook que fim levou e o blogspot colunaquefimlevou blospot.com.br. Visitem, critiquem deixem sugestões.
Podem deixar parabéns também que semana que vem faço 60 anos, sendo 40 de jornalismo com muito orgulho.
Tem a musica pra despedida e é do Ultraje a rigor, Ponto de ônibus . Até sexta-feira gente. Bom fim de semana
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