sexta-feira, 4 de abril de 2014

Canecão

Que fim levou o Canecão? Eu frequentei muito o Canecão, durante duas décadas. Sou mãe de dois músicos e lembro que muitos músicos protestaram muito quando a casa fechou no dia 10 de maio de 2010. Já se passaram quase 4 anos e daí? Continuam as portas fechadas de um espaço que foi super hiper importante para a cultura musical do Rio de janeiro e do país.



 Eu me lembro que Martinho da Vila, chegou a dizer, na época que o Canecão fechou, que era como se tivessem fechado o Olympia de Paris, a mais célebre casa de espetáculos da França. Parece exagero? Não é não. É só lembrar um pouco a história do Canecão que a gente vai ver que o Martinho tinha razão. A casa localizada ali perto do Túnel Novo que dá acesso a Copacabana, funcionou durante 43 anos. Foi batizada assim porque foi inaugurada, na década de 60, como uma grande cervejaria, mas logo começaram lá os shows de Música Popular brasileira e que shows! Foi lá, em 1970, por exemplo, que Roberto Carlos fez o seu primeiro show da carreira solo. Em 1971, Chico Buarque, que passou pela casa em todas as suas turnês, cantou com a bateria da escola de samba padre Miguel e com a Orquestra Sinfônica Brasileira, juntos no mesmo show. Eu estava lá, meninos, em 1976, no encontro histórico de Caetano Veloso, Gilberto Gil, Maria Betania e Gal Costa, quando eles formaram o inesquecível Doces Bárbaros. E também testemunhei a cuspida que Cazuza deu em uma bandeira nacional jogada por uma fã no palco durante o último show dele, em 1988. Ele já estava muito mal, né, na fase final da Aids. Um show histórico. Eu também estava na plateia de outro show memorável do Canecão, em 1990 – o show de Ray Charles no auge da carreira. Enfim, todas essas lembranças são para marcar bem a dimensão cultural desse lugar que incrivelmente está fechado há quatro anos. Mais uma. O cantor Elymar Santos, nascido no morro do Alemão, que cantava em churrascarias e ganhou concursos de calouro nos programas do Chacrinha e do Flávio Cavalcanti deslanchou na carreira depois que alugou o Canecão para fazer um show. Dizem que ele pagou 200 mil reais para se lançar na Zona Sul. E deu certo. Ele alugou o Canecão em 1985. Lotou a casa e em 1986 foi escolhido para fazer o papel de Che Guevara na opera rock Evita em São Paulo e ganhou o papel de melhor ator do ano. Agora, voltando para o Canecão. Com toda essa bagagem, fechado há quatro anos. Falai sério. Loquimini serius. Aliás, está pegando hein Boechat. Nossa expressão em latim está sendo usada aí por muita gente. Falai sério em latim, Loquimini serius. E o Canecão era um espaço importante para a cultura, para os artistas e para o público também. O Rio de Janeiro tem falta de espaços para shows. É verdade. Tem disputa de artistas por teatros. Briga mesmo. E esse espaço, tão importante, fechado há tanto tempo. Pior ainda, um espaço assim, vamos dizer médio. Por que os espaços no Rio ou são bares pequenos, onde o ingresso ainda é relativamente barato, mas as condições de apresentação são bem precárias, sem palco, sem acústica, tipo toca num cantinho, ou são casas de show enormes onde o ingresso é caríssimo. O Canecão era uma casa meio termo, em local de acesso bem fácil, e com ingresso de preço entre o barato e o caríssimo. Então, eu fui ver as causas, como é que pode uma casa assim estar fechada há quatro anos.

Eu conversei com o professor Carlos Vainer, titular de Planejamento Urbano e Regional da UFRJ e coordenador do Fórum de Ciência e Cultura, que está à frente da recuperação do espaço onde funcionava o Canecão.
Vamos por partes como diria o esquartejador.
Durante todo o tempo de funcionamento, o Canecão foi operado pelo empresário Mario Priolli. Ele conseguiu o espaço da Associação dos Servidores Civis da UfRJ que, na época, lá atrás, tinha a posse do lugar. Depois de muitos anos, a UFRJ ganhou a posse. Mário Priolli nunca pagou aluguel à Universidade. Calcula-se que hoje o aluguel daquele espaço supere os R$ 200 mil por mês. Então, nossa!, imagina a dívida. É tanto que em uma das propostas feitas por Prioli à universidade havia a de resgatar R$ 6 bilhões presos na Justiça, depósito judiciais bloqueados, justamente para pagar aluguéis atrasados. Mas essa proposta não colou. Eu deixei dois recados no celular do Priolli para falar sobre tudo isso, mas ele não me retornou.
Depois de longos anos brigando na Justiça a UFRJ ganhou a briga em última instância, no Supremo Tribunal Federal, e despejou Mário Priolli. O Canecão, então, fechou em 2010.
Mas a novela não acabou ali.
A justiça determinou que a UFRJ ficasse como fiel depositária dos bens do Priolli. Bens esse que eram garantia de processos contra ele, por exemplo processos trabalhistas, em que ele devia grana para empregados. A UFRJ não queria esses bens. O professor Carlos Vainer me disse que eram uma porcaria mesmo, eram mesas e cadeiras e outras coisas, mas quebrados, danificados. Ele queria se livrar desses bens para começar a obra, recuperar o espaço. Me disse que chegou a cogitar até um guarda móveis, mas era caríssimo, inviável. Só ano passado, em julho, ele conseguiu da Justiça a decisão de retirada dos bens do espaço. Durante estes três anos de pendengas judiciais, o Canecão foi se degradando, se destruindo. O telhado ficou cheio de buracos, entrou água, surgiram focos de dengue, um caos. Loquimini serius. Falai serio.
Quando a Justiça permitiu a retirada dos bens, a primeira coisa que a Universidade fez foi consertar o telhado.
Agora a boa notícia, que é primeira mão aqui do Que fim levou, é que em maio, sai o edital de um concurso, organizado pelo IAB, Instituo dos Arquitetos do Brasil, para escolher um arquiteto para projetar o novo Canecão. E não é só isso. O projeto vai ser muito mais abrangente. Vai ser um projeto para reformar e modernizar toda uma área de 25 mil metros quadrados no em torno do antigo Canecão. Vai criar além de uma nova casa de shows no lugar do antigo Canecão, mais um estacionamento subterrâneo, um hotel, um centro de convenções e uma área de lazer. A prioridade é a obra começar pelo antigo Canecão. A universidade chegou a cogitar o nome de Arena Minerva, mas não colou, então a gente pode até lançar um concurso para escolher o novo nome que tal?
Tem outras novidades para eu anunciar. Aquele espaço onde funcionava o bingo, lembram? Aquele espaço já está em obras, no final das obras e lá será a sede da Editora e a Livraria da UFRJ. Será chamado de Casa da Cultura.
Também tem previsão de inauguração para este ano o espaço ao lado que era chamado de Canequinho, quem lembra? Ficava bem ao lado do antigo bingo, perto do estacionamento. Vai se chamar Café Universitário. Com cem lugares, será dedicado a saraus e pequenas apresentações artísticas. No em torno existe ainda a Casa da Ciência. Que também vai ser renovada, mas está funcionado. A próxima exposição, que será inaugurada no final deste mês se chama Cadê a Quimica. Será uma réplica de uma casa com explicações sobre a química no nosso dia a dia. No banheiro, olha que máximo, ao abrir a tampa do vaso sanitário, você vê um vídeo sobre a Química do cocô! Vale conferir. A Casa da Ciência fica na Rua Lauro Muller, 3.

Mas ainda tem muita polêmica sobre o futuro do Canecão. O diretório central dos Estudantes da UFRJ promete muito barulho por que acha que se o espaço pertence a uma Universidade pública então ali todos os shows e apresentações devem ser sempre gratuitos.
O professor Veiner me disse que isso ainda não está resolvido. Ele me garantiu que a Universidade está muito preocupada em democratizar o acesso à cultura, em devolver o espaço à MPB, em não ter fins comerciais e em integrar o espaço à educação. Por exemplo, quer usar o antigo Canecão como espaço para prática dos alunos dos cursos de cenografia, música e teatro da universidade. Bacana. Ele até falou que vai criar um conselho curador, para ter várias opiniões sobre como se utilizar o espaço. Bacana também. Mas eu senti uma coisa, Boechat. Muita democracia e pouca pia, sabe. Minha avó é que dizia isso. Muita democracia e pouca pia. Ora, já se passaram quatro anos que a UFRJ tem a posse do Canecão e ainda não se sabe que modelo de gestão terá a casa? Vai ter show pago ou não vai? Vai ter preço popular ou não vai? Vai alugar para os artistas ou não vai? Os estudantes vão meter o bedelho ou não vão? E mais, quem vai pagar a obra, hein? O professor Carlos Veiner me disse que dinheiro para ele não é problema. Ui! Que ele tem certeza que a bancada parlamentar do Rio não deixará a Universidade na mão e que o Ministério da Cultura, a Prefeitura e o Governo do Estado também não. Ui! E que, com isso, até as Olimpíadas teremos o projeto do concurso do IAB lindamente pronto. E a Universidade, tem dinheiro no orçamento dela para colocar na obra? Fez previsão orçamentária para essa obra? De quanto? Ele não respondeu. Desde 2010 não fez previsão orçamentária para isso? Loquimini serius. Fiquem comigo durante a semana no facebook Que fim levou, agora também tem o blog colunaquefimlevou.blogspot, feitos pelo super craque da internet Vinícius Mello, aluno do Jornalismo da Unisuam. Musica para reflexão de hoje, é do meu querido Arlindo Cruz e atende pelo sugestivo titulo O show tem que continuar, até sexta que vem bom fim de semana fui!

Um comentário:

  1. Boa tarde,
    Achei em meus guardados uma foto tirada no Canecão mas não há informação do ano. Sei que foi um show do Ray Charles. Poderiam me informar em quais anos ele fez show no Canecão?
    Agradeço.

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