sexta-feira, 18 de abril de 2014

Patrícia Amieiro

O tema do Que fim levou de hoje é o caso Patrícia Amieiro. Vamos relembrar? No dia 14 de junho de 2008, era uma sexta feira, Patrícia saiu de uma casa de shows no Morro da Urca, já de madrugada, para voltar para a casa de seus pais, na Zona Oeste, dirigindo o carro dela, sozinha. Na mesma madrugada, seu carro foi encontrado caído, nas pedras das margens da Lagoa de Marapendi, ironicamente bem abaixo daquela placa Sorria você está na Barra, embaixo ali do viaduto que sai do Túnel do Joá.
A PM foi a primeira a chegar ao local. O corpo de Patrícia não estava no carro. E nunca mais apareceu. No carro foram encontradas marcas de tiro de balas de calibre igual ao das armas usadas pela PM, acusada ade assinar Patrícia e ocultar seu cadáver. Seis anos se passaram. Patrícia foi considerada morta em 2011. Ela era, quando desapareceu, uma moça de 24 anos, engenheira bem sucedida e muito bonita. Deixou, é claro, seus pais e seu irmão desolados. Mas esta tragédia envolve muito mais que a profunda dor de uma família. E hoje vamos revelar aqui no Que fim levou informações novas sobre este caso que gerou um inquérito de mais de três mil páginas, passou pela delegacia Antissequestro e pela de Homicídios e está agora no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. A primeira informação, em primeira mão, é de que o caso vai, finalmente, a Júri popular.

A investigação foi muito, muito longa e complicada. Eu gosto muito de casos misteriosos e passei toda a semana lendo os argumentos da acusação e da defesa, estudando as análises periciais, quase me tornei um personagem daqueles seriados tipo CSI! Gostaria de contar todos os detalhes para vocês que eu apurei com o apoio do Alexandre Lima, aluno do curso de jornalismo da Unisuam que se demonstrou nessa apuração um verdadeiro detetive. Mas como não dá tempo de contar tudo, vamos resumir e começar montando a cena da acusação: Patrícia vinha dirigindo, os PMS atiraram no carro, ou porque mandaram que ela parasse e ela não parou ou porque confundiram o carro dela com o de um bandido. Patrícia perdeu o controle e o caro caiu na ribanceira. Ao perceber o erro, os policiais foram até o carro, jogaram uma pedra de 8 kg no vidro dianteiro para disfarçar o buraco feito pelo tiro no vidro e chamaram outros dois PMs para ajuda-los a se livrar do corpo. Uma pedra foi mesmo encontrada no interior do carro.

Agora, a cena da defesa: Patrícia deu muitos telefonemas depois que saiu do show até a hora em que seu carro caiu. Demorou mais de uma hora entre sair da Urca e o momento do acidente, tempo medido pelo registro das câmeras do local de saída do show e uma multa que ela levou em Ipanema. Um colete de moto taxista da Rocinha foi encontrado próximo ao local do acidente. Patrícia poderia ter sido sequestrada e não estar no carro. Os tiros seriam dos sequestradores.

Nas investigações, a defesa perdeu. E as investigações deste caso foram dramáticas mesmo, e exaustivas. Uma perita tentou desmentir o laudo que confirmou marcas de tiros no carro, mas depois houve suspeitas de que ela era amante de um dos PMs acusados. Ossadas foram desenterradas para serem feitos exames de DNA, mas descobriu-se que eram ossadas de animais. Muito sofrimento. Até que por fim, um ano depois do dia em que Patrícia desapareceu, o Instituto de Criminalística Carlos Éboli, determinou que as marcas de tiro no carro correspondiam à arma do soldado PM William Luiz do Nascimento que estava de plantão na Auto Estrada Lagoa Barra naquele triste dia 14 de junho de 2008 junto com o cabo Marcos Paulo Nogueira Maranhão. Ambos foram indiciados por homicídio e ocultação de cadáver. Os soldados PMs Fábio Silveira Santana e Márcio Oliveira Santos, que chegaram depois no local do acidente, foram indiciados por ocultação. Eles chegaram a ficar presos por 81 dias, menos de três meses quando a pena de homicídio qualificado pode chegar a 30 anos. Mas a defesa recorreu e eles foram soltos com habeas corpus. Foram também julgados pela Justiça Militar que é bem mais rápida que a Justiça comum e neste fórum foram absolvidos. E, dentro da corporação, foram promovidos. Hoje trabalham normalmente em serviços internos. A Assessoria da PM não quis dar maiores detalhes.

Na Justiça civil, tudo indica que a defesa dos PMs vai perder de novo. O Juiz Fábio Uchoa Pinto de Miranda Montenegro pronunciou os réus, o que significa que os quatro PMs serão julgados por um Júri popular. A defesa recorreu, então este recurso foi para a 8ª Câmara Criminal. Lá a Desembargadora Elizabeth Aguiar decidiu pedir um parecer à Procuradoria Geral da Justiça. E eu revelo a vocês, também em primeira mão, o resultado deste parecer: O procurador Julio Cesar Lima dos Santos nega um por um todos os argumentos da defesa que fez um recurso chamado recurso em sentido estrito. O procurador, no seu relatório devolvido estes dias à desembargadora, se manifesta pela manutenção da decisão de haver o Júri popular.

A desembargadora Elizabeth Aguiar não quis falar com a gente. O advogado Nélio Soares, que defende os policiais militares, também não. Mas eu falei com o Dr. Alexandre Dumans, advogado da família. Ele, que tem 40 anos de experiência nesta área do Direito, me disse que, neste caso, a célebre máxima indubito pro reu – em dúvida a favor do réu – será diferente, substituída por in dubito pro societas – em dúvida a favor da sociedade. Isso para afirmar que tem convicção de toda o clamor da sociedade foi ouvido e que haverá o Júri para os PMs.

Mas... ainda vai demorar para acontecer, mais ou menos um ano ele calcula. Embora o Dr. Alexandre Dumans ressalve que crimes contra vida tenham julgamentos longos em todo o mundo, ele considera a Justiça brasileira lenta. E me fez uma comparação muito, muito reveladora. A Suprema Corte Inglesa julgou 117 casos em 2013. A Suprema corte Brasileira, também no ano passado, mas de 270 mil. E me explicou o porquê. Lá existem juízes leigos, operários, professores, nas chamadas Magistrate Courts, com competência para julgar os pequenos conflitos, que chegam a ser 94% dos casos. Então apenas 6% dos casos chegam aos juízes togados. Olha que boa ideia a ser pensada aqui para o nosso Judiciário tão lento.

A outra informação em primeira mão que a nossa coluna tem hoje é justamente uma boa ideia. Uma ótima ideia. A Polícia Civil vai criar a primeira Delegacia de Pessoas Desaparecidas aqui do Rio. No próximo dia 29, Jovita Belfort, mão da Priscila Belfort que é irmã do lutador Vitor Belfort e está desaparecida há dez anos, vai se encontrar com o chefe da Polícia Civil, delegado Fernando Veloso, para já definir a data em que será criada esta delegacia. É uma iniciativa muito importante. Para dar a vocês uma ideia do tamanho do problema, a Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República estima que cerca de 40 mil desaparecimentos são registrados ao ano em todas as delegacias do território nacional. O problema é tão grande que, em 2009, o governo criou o Cadastro Nacional de Crianças e Adolescentes Desaparecidos, onde as famílias informam o desaparecimento e estas informações são repassadas às delegacias e órgãos cadastrados. Não sei se funciona, vale um que fim levou esse cadastro hein... Vamos fazer!

Quem me deu esta informação exclusiva sobre o encontro sobre a nova Delegacia de Pessoas Desaparecidas, quando o chefe da Polícia civil vai receber a Jovita Belfort, mãe do lutadora Vitor Belfort e de uma filha a Priscila, desaparecida há dez anos, para gente ver que o problema não escolhe ninguém, foi o Antonio Carlos Costa, fundador da ONG Rio da Paz. Desde 2006 quando houve uma chacina que matou 19 pessoas, 8 delas queimadas vivas dentro de um ônibus, em vários bairros do Rio, ele luta contra a violência e na busca de desparecidos. Então, é muito bom frisar a importância dessa delegacia, mas é muito bom também ressaltar a importância da luta de pessoas como o Antônio e de mães como a Jovita.

Até agora, uma pessoa que tinha um familiar desparecido era obrigada a registrar essa ocorrência em uma delegacia de homicídios. Ora, a pessoa tem sempre a esperança de que quem desapareceu esteja vivo e tem que ir logo na Homicídios? Então, uma delegacia especializada em pessoas desaparecidas será muito mais humano, além, é claro, de poder se dedicar melhor, especificamente, aos casos.

Mas a pressão da luta, das passeatas, das faixas, das cruzes em Copacabana, até das ameaças e fazer o enterro simbólico da Patricia Amieiro em frente ao Palácio Guanabara, da Xuxa com a camiseta com o rostinho dela nos protestos organizados pela família. A Jovita Belfort indo lá na Polícia Civil, ainda na época da Delegada Marta Rocha, tudo isso pesa e é a pressão da sociedade, a nossa pressão, contra o estado paquidérmico, contra a Justiça tartaruga, contra o descaso e aquela atitude que tantas vezes tem o Poder Público como se pudesse fazer de conta que não tem nada a ver com a gente, que não tem satisfações a nos dar, é isso que dá resultado. Dá em Júri e dá em novas e melhores delegacias.

Assim como a Rio da Paz, existem muitas outras ONGs que trabalham com estas questões. Como por exemplo meufilhosumiu.com que tem uma ferramenta que faz com que cada criança desaparecida cadastrada seja automaticamente compartilhada com os Vigilantes Voluntários. Para ser um Vigilante basta baixar os aplicativos para o celular ou ainda "doar" o seu perfil do Facebook e do Twitter, para que fotos e informações das crianças desaparecidas apareçam para os seus amigos e seus familiares.

Antes de encerrar tenho outra informação em primeira mão para vocês. Eu conversei com o irmão da Patrícia Amieiro, o Adriano, outro grande batalhador. Ele me contou que no dia 10 de maio, na antevéspera do dia das Mães, será feita uma manifestação no local onde o carro caiu, na Lagoa de Mapendi, ali no canal embaixo do viaduto o Túnel do Joá. Lá, a família já havia feito o Jardim Patrícia Amieiro. Pois na semana passada esse jardim foi destruído, depredado mesmo. Aqui vale o nosso Loquimini serius. Fala sério em latim. Loquimini serius. Destruir depredar um local em homenagem a uma moça desaparecida há seis anos que uma mãe não pode nem sepultar? Fala sério, Loquimini serius.

Adriano me contou que no lugar onde eles colocaram, isso já há muitos anos, além das flores, uma cruz e uma placa e onde a mãe de Patrícia, dona Tânia, costuma ir frequentemente para rezar, foram amaradas telhas com arames em cima da placa e um capacete de soldado foi pendurado na cruz, além de ter sido plantada uma bananeira. Ele não quer acusar ninguém, mas Adriano me contou que um publicitário que tem placa de propaganda próximo ao lugar disse que aquilo não deveria ser um santuário e comentou: “é porque não foi a filha dele que desapareceu há seis anos”. Adriano está também confiante que a Justiça levará o caso de sua irmã a Júri popular.

Na manifestação do próximo dia 10 de maio, além de rezar, reconstruir o Jardim e colocar uma faixa com os dizeres “Seis anos em busca de Justiça”, eles vão pedir ao Prefeito Eduardo Paes que oficialize o local como Jardim Patrícia Amieiro e passe a cuidar dele.

Outra ideia que está em estudo é que a manifestação prossiga com uma caminhada até a Delegacia da Barra. Lá os pais de Patrícia colariam algemas nas próprias mãos como se fossem se entregar à Polícia. Já que, segundo eles, os assassinos estão soltos e a família está presa pela dor e pela impunidade. Bem eu vou ficando por aqui. Vocês fiquem comigo durante a semana. Vamos continuar conversando pelo facebook quefimlevou. Anotem aí e participem facebook que fim levou e também www.colunaquefimlevou.blogspot.com.br. Nossas páginas foram criadas pelo aluno Vinícius Mello, do curso de jornalismo da Unisuam. Apesar de todas as boas novas como a possibilidade do caso ir a Júri e finalmente chegar ao fim e a criação da Delegacia das Pessoas Desaparecidas, eu me associo à dor dos Amieiro e deixo com você uma música triste hoje apesar de muito linda. Uma música que reflete muito bem o quanto pode ser grande a dor da saudade. É "Pedaço de mim", composta por Chico Buarque que nessa versão divide os vocais com a Zizi Possi. Até sexta feira, bons feriados. Fui.





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