sexta-feira, 7 de março de 2014

Bicheiros

Que fim levou o combate ao jogo do bicho no Rio de janeiro? Esse é o nosso tema de hoje.  Afinal, o Carnaval deste ano marcou a volta dos grandes nomes do jogo do bicho ao Sambódromo, depois de anos de ausência, não foi?
Estavam lá Aílton Guimarães Jorge, o Capitão Guimarães (ex-presidente da Liga das Escolas de Samba); Luiz Drummond, o Luizinho (da Imperatriz Leopoldinense); e Rogério Andrade (da Mocidade Independente de Padre Miguel), que há mais dez anos não aparecia na Sapucaí. Só faltou Aniz Abrahão David, o Anísio, da Beija-Flor, que semana passada estava internado no CTI do Hospital Pró-Cardíaco, em Botafogo, mas já está em casa.
Os mais velhos, setentões, Capitão Guimarães e Luizinho foram discretos.
Rogério Andrade, que tem 50 anos, sobrinho do lendário bicheiro Castor de Andrade, escancarou geral. Foi a todos os desfiles de sexta a segunda, vestido a rigor, ou seja de branco, aquela calça branca típica, com sapato de couro, e gastou, entre a compra de camarotes e bufes com petiscos de luxo e champanhe francês um valor estimado em R$ 500 mil ou seja a bagatela de meio milhão. Enfim se esbaldou, com um castor, símbolo da família, decorando a parede, muitos seguranças em volta e uma loura peituda a tiracolo, é claro.
Qual o problema? Ah, o problema é que todos os grandes nomes do jogo do bicho estão respondendo a processos criminais que duram anos e anos e anos na Justiça. E não envolvem apenas o inocente jogo do bicho.
Eu fui apurar essa matéria para o Que fim Levou com o auxílio luxuoso do Alexandre Lima, aluno do 6º período do curso de comunicação social /jornalismo, do campus de Bonsucesso da UNISUAN 
Então vamo lá
Primeiro, gente, eu conto o caso como o caso foi, falando do episódio mais recente, o que gerou a operação Dedo de Deus. Uma ação espetacular. Eu confirmei com o delegado Glaudiston Galeano, da Corregedoria Interna da Polícia Civil, a Coinpol.
Depois de receber 60 mandados de prisão preventiva e 125 mandados de busca e apreensão, eles foram pra rua, no dia 15 de dezembro de 2011, com 120 delegados, 680 agentes, 300 carros e dois helicópteros. Eles também estavam acompanhados de cinco promotores de Justiça. Dos 60 mandados de prisão foram cumpridos 51 e ainda foram presas mais 6 pessoas em flagrante.
A operação aconteceu simultaneamente no Rio, na Bahia e em Pernambuco. E apreendeu um dinheirão. Mais de R$ 4 milhões de reais em dinheiro, 26 carros de luxo avaliados em mais de R$2 milhões, além de joias e quadros.
O delegado Glaudiston tem certeza que essa operação foi sem dúvida a maior da história contra o jogo do bicho e que os seus resultados foram muito positivos, também, sem dúvida.
E quando eu perguntei pra ele o que todo mundo pergunta, por que, em tão pouco tempo os bicheiros estão de volta na rua e sambando no sambódromo ele respondeu Melhor dirá o Poder Judiciário Fluminense. E ainda acrescentou que a Policia Civil deflagrou, para usar a linguagem dele, no dia 31 de janeiro do ano passado, a operação Dedo de Deus 2 (DDD2), tendo como base os dados coletados nas apreensões de documentos, planilhas, computadores e mídias em geral, ou o escambau, com o eu acho que o Boechat diria, arrecadados  na Operação Dedo de Deus. Então com base em tudo isso, a polícia pediu prisão preventiva de vários outros envolvidos com o que eles chamam de a máfia do jogo do bicho além de nova busca e apreensão.
E o que acontece? Somente foi deferida pela Justiça parte da representação pela busca e apreensão. E todas as prisões que a polícia solicitou foram negadas integralmente pelo Promotor de Justiça Criminal e pelo magistrado da Comarca de Teresópolis.
Senti que o delegado Glaudiston estava com vontade de usar uma expressão que eu vou adotar aqui no Que fim levou. Loquimini serius.
Sabe o que é Mariana? Sabe Jonathan?
É Falais serio em latim. Falais sério na segunda pessoa do plural, vós  para ficar mais sério e em latim para ficar mais sério ainda. Loquimini Serius!!!!!
Eu que fiz essa versão livre para a gente usar aqui no Que fim levou, vamos adotar Loquimini serius.
A ação mais espetacular dessa operação Dedo de Deus, acho que todo mundo lembra, foi a invasão da cobertura do Anísio Abraão Davi, o patrono da Beija Flor, na Av. Atlântica, com helicóptero sobrevoando, uma coisa. Mas o homem já havia se evadido, para usar o jargão do noticiário policial. Depois ele chegou a ser preso em dezembro de 2012, mas por muito pouco tempo e está solto mediante um Habeas Corpus.
Eu conversei com o advogado dele, Ubiratan Guedes, que disse que a defesa foi muito simples por que jogo do bicho não é crime, é contravenção e que a polícia deveria se preocupar com outra coisa por que tem fila de gente para jogar na mega sena, um jogo promovido pelo Governo Federal, tem o Ronaldo fenômeno na televisão anunciando campeonato de pôquer, então por que combater o jogo do bicho, hein?
Ubiratan Guedes lembrou as marchas da maconha e a campanha pela legalização e disse que preferia ver uma campanha pela legalização do jogo. Ele está ansioso pela retomada dos trabalhos no Congresso, agora depois do Carnaval, pois está na pauta a apreciação de um projeto de lei, mais um por que existem muitos, para isso, legalizar o jogo do bicho.
Os empresários ligados a atividades como bingo, cassino e apostas esportivas vão pedir aos parlamentares uma audiência pública para apresentar seus argumentos. O principal é que eles dizem que, ao legalizar o jogo do bicho, o governo poderia arrecadar até R$ 60 bilhões por ano com impostos, baseados em dados de um estudo do Boletim de Novidades Lotéricas, BNL, um blog dedicado a notícias sobre tudo que é espécie de jogo.
Segundo o BNL, enquanto as loterias operadas pela Caixa Econômica Federal movimentam pouco mais de R$ 11 bilhões de reais por ano, os jogos ilegais chegam a quase R$ 19 bilhões de reais  - 70% a mais. E enquanto as casas lotéricas não chegam a 15 mil em todo o país, segundo este blog, são 350 mil os pontos de bicho no Brasil, atraindo nada menos que 20 milhões de apostadores por dia.
Mas , enquanto a audiência pública do Congresso sobre a legalização do jogo não vem, vamos falar de audiência em processo na Justiça. Nada. Nada Nada
O Ministério Público encaminhou a denúncia resultante da Operação Dedo de Deus à Justiça em dezembro de 2011. A denúncia foi oferecida pela promotora Angélica Glioche.
De acordo com esta denúncia, apresentada pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado, GAECO, do Ministério Público ao Juízo da Vara Criminal de Teresópolis, Município onde começaram as investigações, “a prática do jogo do bicho não se sustenta sem a prática de crimes desenvolvidos pela quadrilha, principalmente os  de homicídio (qualificado) e corrupção de agentes públicos, o que é de conhecimento de todos os denunciados”. Estou lendo aqui na denúncia. E entre os denunciados estavam vários policiais militares, policiais civis e um guarda municipal.
Entre os denunciados estão os Policiais Militares Luiz Cláudio Laudino (PM Laudino), lotado no 22º BPM (Maré); Marco Antônio Coelho Anchieta ("Marquinhos do Gás"), lotado no BPChoque; o Policial Civil Eduardo Murilo Dantas Sampaio (“Comissário Dudu”), lotado na 64ª DP (Vilar dos Teles); o Guarda Municipal Aramis Lafere Mesquita, que estava cedido à Delegacia de Duque de Caxias; e o ex-PM Almir José dos Reis.
Que fim levou esse processo iniciado três anos atrás?  Perguntei ao Tribunal de Justiça do estado do Rio de Janeiro e a explicação foi a seguinte: a Vara criminal de Teresópolis é uma única para atender a todo tipo de crime, a processos de  família também, processos cíveis, então já viu, né, acumula. Para piorar a situação, esse processo tem 55 volumes e 60 réus, imagina o que tem de advogado e de recurso... De qualquer forma, o processo andou um pouquinho. Já virou uma ação penal no Rio de Janeiro e teve uma sentença de absolvição sumária de 12 réus por falta de provas. Tentei falar com o juiz responsável, que no caso é uma juíza, Myrian Terezinha Rangel Cury . Mas como o processo corre em sigilo, a juíza por lei não pode se manifestar sobre o caso. Vamos aguardar os próximos capítulos.
Até por que essa é uma das novelas mais longas da história! E é importante a gente lembrar que as grandes ações contra o jogo do bicho começaram há muito tempo. Uma ação que ficou na história aconteceu há mais de 20 anos, tendo à frente a juíza Denise Frossard. Uma mulher corajosa pra danar. Esse caso foi notícia no mundo inteiro e ainda é relevante hoje.
No dia 21 de maio de 1993 aconteceu o que ninguém esperava. Os 14 maiores banqueiros do jogo de bicho que atuavam no Rio de Janeiro foram condenados à prisão. Era uma coisa inédita, porque eles circulavam nas rodas, eram totalmente donos das escolas de samba, viviam cercados de artistas, políticos e até gente da alta sociedade.
É histórico que a polícia dos Estados Unidos só conseguiu prender o mafioso Al Capone  por causa de fraude no Imposto de Renda, não é? Pois então. A Juíza Denise Frossard também deu um pulo do gato. Ela conseguiu condenar os bicheiros por formação de quadrilha autônoma, uma tese baseada em um artigo do código penal de 1940 que nunca tinha sido usado e fundamentada em decisões da Justiça italiana. 
O Alexandre, nosso estagiário da Unisuam fez um levantamento completo do caso, do nome e do histórico de todos os presos, bicheiros de porte. Muitos deles já morreram, nomes como, começando pela Mocidade Independente de Padre Miguel, Castor de Andrade, morto de morte morrida e Paulinho Andrade, seu filho, assassinado na guerra que houve por seu espólio. Maninho do Salgueiro assassinado. Miro Salgueiro morrido de morte natural. Nesse processo também estavam Carlinhos Maracanã da Portela, Anizio da Beija Flor, José Caruzzo Escafura (o Piruinha) e Antônio Petrus Kalil (o Turcão, ligado à Estácio de Sá  ) e Capitão Guimarães da Vila Isabel.
Os bicheiros ficaram presos relativamente pouco tempo. Foram soltos através de recursos de seus advogados e a sentença foi modificada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que reduziu a pena.
Eu conversei com a juíza Denise Frossard. Perguntei a ela: Será que então nada valeu a pena? Ela me disse que não cabe aos legisladores fazerem essa avaliação. Que a questão de um processo na visão de quem está na Justiça é outra. O Juiz tem que fazer o que deve ser feito, independentemente dos resultados. E usou uma frase bonita: É o imperativo obrigatório de Kant, referindo-se ao grande filósofo Immanuel Kant. E completou afirmando que as avaliações de valeu ou não valeu ficam para historiadores e sociólogos, não para os operadores da Justiça.
Mas o nosso Que Fim Levou aqui acha que sim. A coragem do enfrentamento daquela época foi um marco comparável ao marco em que hoje pega os políticos corruptos.
Olha só Mariana, Jonathan, pessoal. Na audiência final do julgamento do mensalão, agora, mês passado, o ministro Luiz Fux do Supremo Tribunal Federal analisando o que é uma quadrilha foi buscar um acórdão de 1993, referente ao processo da Denise Frossard contra os bicheiros.
Então, alguma coisa evoluiu. Como me disse a juíza Frossard, o processo provocou uma discussão que nunca tinha havido no Brasil. Elevou o nível da discussão jurídica, com teses importantíssimas sendo levantadas, questões processuais importantíssimas sendo discutidas.
Que teses?  As de que por trás do inocente jogo criado pelo Barão de Drumonnd em 1892 para angariar uma graninha para o Jardim Zoológico do Rio, veja só, podem estar encobertos crimes e mais crimes. De Importação ilegal de caça níqueis até tráfico de armas e drogas. O advogado do Anísio da Beija Flor, Ubiratan Guedes, disse que nunca conseguiram provar na Justiça a ligação dos acusados do jogo do bicho com esses crimes, que ele chama de falácia. O assunto ainda está em julgamento e dizem que a Justiça tarda, mas não falha. Vamos ver, né.
Por outro lado o povo não é bobo quando se trata do seu dinheirinho ou do dinheirão das suas instituições e agremiações queridas. E pelo menos esperneia. Na Quarta-feira de Cinzas o Moisés, todo poderoso da Unidos de Vila Isabel saiu em carro blindado da Praça da Apoteose, chutado pelo pessoal que estava lá acompanhando as notas dos jurados na apuração da vencedora do desfile das Escolas de Samba. Um grupo de umas 20 pessoas, socando e chutando o carro. Moisés, na verdade Wilsom Vieira Alves, foi solto em novembro de 2012, graças a um habeas corpus aceito pelo Supremo Tribunal Federal. Ele está condenado a mais de 23 anos de prisão pelos crimes de contrabando, formação de quadrilha e corrupção ativa. Ele tentou se justificar sobre o fraco desempenho da escola, que teve componentes desfilando sem fantasia, dizendo que  não recebeu R$ 6 milhões de três empresas que haviam se comprometido em patrocinar a Vila, mas um grupo de torcida organizada, os Guerreiros da Vila, que chegou a pichar o portão da quadra da Escola, ficou durante a apuração fazendo um coro questionando onde tinha sido investido o dinheiro recebido como prêmio pelo campeonato do ano passado.
Na prática, mesmo, meus amigos.... Loquimini serius. Bicheiros na rua, polícia com o que deveria ser a continuação da Operação Dedo de Deus, a DDD2, travada em parte pela Justiça, processos se arrastando. E o Estado patrocinando, ainda que em parte, na tal da parceria público privada, com o nosso dinheiro, dinheiro do contribuinte, a Liesa, Liga das Escolas de Samba que continua sob o comando de pessoas que estão sendo acusadas, julgadas, veja bem eu não estou dizendo condenadas. O Prefeito Eduardo Paes disse que se esforçou para dar às escolas condições para que elas abandonassem essa terrível história do patrono, nas palavras dele . E completou O dia que o patrono estiver catando coquinho no asfalto é o dia ideal.
Ok, já que é assim e amanhã tem mais, com Desfile das Campeãs, muito provavelmente com bicheiro e com patrono , eu me despeço deixando com vocês a musiquinha para reflexão. Quem quiser entrar em contato comigo, fala comigo pelo face que fim levou. “Tô lá”, para ouvir as sugestões e os comentários de vocês. A musiquinha para reflexão é o samba enredo da Beija Flor no Carnaval de 1976, reeditada esse ano, 38 anos depois, pela Tradição.   De Neguinho Flor, Sonhar com o Rei da Leão.
Até sexta feira Mariana, Jonathan, até sexta feira pessoal. Fui!

Um comentário:

  1. Hei...pergunte ao delegado por qual razão não fazem uma operação dessas contra o narcotráfico...

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